domingo, março 09, 2008

o não quantificável


Ele pergunta ainda: "Tem alguma coisa a declarar?" Hesito outra vez, com o mesmo sentido de humor subcutâneo. Que lhe digo agora?

Que tenho a declarar o sol e o sal dos trópicos na pele, a poeira do Congo nos poros, o cheiro da savana de Angola nas narinas, o leão bebé do orfanato namibiano no coração, os dias a caminhar pelo desfiladeiro do Fish River ainda nos músculos das pernas?

Digo-lhe que tenho a declarar centenas de amigos pelo continente acima, que foram o melhor da minha viagem e serão sempre as memórias que mais acariciarei para o resto da vida? Digo-lhe, talvez, que regresso com um valor acrescentado, um pedaço a mais de mim que não tinha à partida? Digo-lhe que trago escondido à superfície da alma um bocado de África para a Europa? Sorrio-lhe. Abro as palmas das mãos, como num teatro. Digo a única coisa que ele quer ouvir, a única que poderá jamais compreender. Nada a declarar.


"África acima" - Gonçalo Cadilhe

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